quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Execuções em Macaíba podem desvendar quem matou os casais de chineses

A comunidade de Mangabeira, no município de Macaíba, foi mais uma vez o cenário escolhido por um grupo de extermínio que atua na região da Grande Natal para a prática de novas e sangrentas execuções. Desta vez, os alvos foram o estofador de móveis Josemar Gomes, de 43 anos, e Charles Paiva da Silva, de 29. O policial militar Marcelo Miguel da Silva, 36, que também estava com a alma encomendada, conseguiu se libertar das amarras e escapou pelo meio do matagal, numa estrada carroçável próxima das antenas de transmissão da Chesf.

A revelação mais escabrosa desta triste história, no entanto, confirmada com exclusividade pelo delegado Maurílio Pinto de Medeiros, pode acabar elucidando um dos crimes mais enigmáticos deste ano: um dos acusados também teria participado da morte de dois casais de comerciantes chineses, crime ocorrido em fevereiro deste ano. Trata-se do ex-PM Roberto Moura do Nascimento, 33, mais conhecido como ‘Bebeto’, expulso da corporação em fevereiro do ano passado.

O nome de Bebeto e de outros três suspeitos já estão em poder dos investigadores. Eles foram repassados ao NOVO JORNAL por um policial que pediu para não ser identificado. Numa pesquisa junto a outras fontes policiais, a reportagem descobriu que o ex-soldado da PM já foi preso várias vezes, inclusive em 2005, por ocasião da Operação Fronteira, quando outros oito policiais acusados de participarem de um grupo de extermínio também foram parar atrás das grades. E entre eles, vale aqui relembrar, estava o ex-PM João Maria da Costa Peixoto, o ‘João Grandão’, ainda hoje considerado líder da quadrilha que extorquia e assassinava criminosos.

A confirmação de que Bebeto estaria realmente comprometido com as mortes dos chineses, cujos corpos foram encontrados no dia 7 de fevereiro passado, desovados e enfileirados numa estrada carroçável lá mesmo, em Macaíba, veio do delegado Maurílio Pinto, titular da Delegacia Especializada em Capturas e Polinter (Decap). “Temos informações que este ‘Bebeto’ seria um dos assassinos dos chineses, mas ainda não podemos provar”, disse o Xerife.

Os outros nomes revelados à reportagem pelo policial que terá seu nome preservado são: o soldado reformado da PM Luciano de Aquino Ramos, o ‘Marola’, condenado em fevereiro de 2001 a cumprir pena de 23 anos de prisão pelo homicídio do estudante Genilson Francelino de Moura, irmão do apresentador de TV e deputado estadual Gilson Moura, crime ocorrido em 1999; um tal de ‘Magrão’, que também seria um ex-policial militar preso há quatro anos acusado de participar de um sequestro relâmpago em Natal; e de um quarto elemento chamado apenas de ‘Marcelo’. 

Ainda segundo a fonte desta reportagem, os nomes dos suspeitos foram apresentados pelo sobrevivente em depoimentos prestados na manhã de ontem no hospital ao delegados de Macaíba Normando Feitosa, e ao delegado Márcio Delgado,um dos titulares da Divisão Especializada em Investigação e Combate ao Crime Organizado (Deicor). Em contato com a reportagem, porém, Normando limitou-se a dizer apenas que não poderia confirmar que são os suspeitos, pois as investigações já estariam sendo conduzidas pela Deicor. Já o delegado Márcio Delgado, preferiu não dar detalhes para não comprometer o inquérito.

“A casa caiu”

A versão relatada aqui, sobre como teriam ocorrido de fato as execuções desta segunda-feira em Mangabeira, foi relatada pelo mesmo policial que pediu para não ser identificado.
Segundo a fonte, Charles e Josemar ligaram para o soldado Marcelo Miguel para que juntos fossem fazer uma cobrança. “Uma parada que renderia muito dinheiro aos três”, disse o policial. O encontro foi então marcado na frente da casa do entregador. De lá, os três seguiram para um abatedouro localizado na Rua Januário Cicco, no Bairro Nordeste, dentro do estacionamento de uma galeteria, também conhecida como Abatedouro Nordeste. Foi neste local, inclusive, que os três se encontraram com os quatro suspeitos da quase chacina.

Lá, ao ver Charles, Josemar e o policial, o ex-PM Bebeto teria dito “a casa caiu”. O policial Miguel foi desarmado e o trio passou a ser espancado. Amarrados, todos foram colocados sobre a carroceria de uma caminhonete prata, acompanhados de perto até Mangabeira por um Pálio também de cor prata.

“Antes disso, o policial que escapou contou que os quatro assassinos roubaram R% 5.500 em dinheiro, a moto, uma moto CB 300 cilindradas de cor amarela e um cordão de ouro do soldado”, acrescentou a fonte.

A reportagem esteve na dita galeteria e encontrou o local fechado, como se o ambiente funcionasse apenas como fachada. Apesar de não haver animais, vizinhos confirmaram que lá realmente se vendem frangos abatidos. E mais: disseram que ontem viram dois veículos, com as mesmas características, saírem do local bastante apressados. “Deixaram até o portão aberto. Meu marido foi lá e fechou para que ninguém estranho entrasse”, contou uma mulher que também terá seu nome preservado.

Fuga para a granja

Já em Mangabeira, os reféns foram levados para o meio do matagal, numa estrada escura e de terra batida. Pressentindo que os três estavam se soltando das cordas que os prendiam pelas mãos e pés, a caminhonete e o Pálio pararam e os quatro assassinos decidiram ali mesmo acabar com tudo.

O primeiro a ser executado foi Josemar Gomes. Ainda com pedaços de corda amarrados ao pulso e ao tornozelo direito, ele levou dois disparos de pistola à queima-roupa. Os tiros atingiram suas costas. Enquanto isso, Charles tentou correr, mas foi pego adentrando no matagal. Jogado ao chão, ele também não teve misericórdia. Outros dois disparos atingiram as pernas e a região torácica. O rapaz também morreu na hora.

Enquanto os companheiros eram mortos, o soldado, já desfeito dos laços, empreendeu fuga correndo pela mata. De longe dois dispros o atingiram, mas não suficientes para fazê-lo tombar. Um dos disparos o atingiu nas costa e o outro no braço direito de Miguel. Sangrando bastante, o policial conseguiu encontrar refúgio numa granja não muito longe. Pulou as cercas e bateu na porta. Apavorado, foi socorrido pelo caseiro Lenilson Batista, que há um mês toma conta de cavalos e carneiros no lugar.

“Era mais ou menos 19h quando eu ouvi vários tiros. Fiquei muito assustado. Você imagina então quando chegou aquele homem todo cheio de sangue, batendo na porta e pedindo socorro. Tive tanto medo que deixei ele do lado de fora um tempão. Só quando ele disse que era policial foi que eu abri a porta”, contou o caseiro.

Com o telefone celular de Lenilson, o soldado chamou reforços e avisou o que havia acabado de acontecer. Foi somente depois de uma hora, perdendo sangue na varanda da granja, foi que Miguel foi finalmente socorrido ao hospital.

Diligências ainda foram feitas na região, mas nenhum veículo ou suspeito foi localizado. Na areia e no mato á beira da estrada apenas os corpos crivados de bala foram encontrados.

Prisões de Bebeto

Operação Fronteira

O alvará de soltura do ex-policial militar Roberto Moura do Nascimento foi assinada no último dia 16 de agosto pelo juiz Ivanaldo Bezerra Ferreira dos Santos, titular da 8ª Vara Criminal de Natal. Ele havia sido preso acusado de porte ilegal de arma. Porém, no Tribunal de Justiça, constam pelo menos 12 inquéritos criminais contra Bebeto, a maioria por envolvimento com assassinatos.  Além disso, por duas vezes ele deu entrada com ações (uma na 3ª e outra na 6ª vara Criminal) tentando provar ser insano mentalmente, mas em ambas ele perdeu. Os processos tramitam na 3ª, 5ª, 8ª, e 11ª Vara Criminal de Natal, além de inquérito concluído pela Delegacia de Homicídios (Dehom) que tramita na 3ª Vara Criminal.

Sua primeira prisão aconteceu no dia 4 de setembro de 2005. Na época, outros sete policiais militares e o ex-soldado PM João Maria da Costa Peixoto, o ‘João Grandão’, chegaram ao RN trazidos por cinco viaturas do Grupo de Operações Especiais (GOE), formado por policiais e agentes penitenciários de Recife. O grupo, que havia sido preso durante a Operação Fronteira e estava detido na penitenciária Professor Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, era suspeito de ter matado pelo menos 26 pessoas na Grande Natal nos últimos anos.

Operação Chacal

A Operação Chacal aconteceu no dia 1º de abril de 2008, ocasião em que Bebeto foi apontado como sendo o líder de um grupo de extermínio e acusado do assassinato do corretor Jádson Dário Pessoa, 40, mais conhecido como ‘Chiaba’, vice prefeito do município de Barra de Maxaranguape, no litoral Norte potiguar. O policial, no entanto, só se apresentou dois dias depois.

O ‘Caso Chiaba’ movimentou a imprensa de Natal por um ano. O crime foi elucidado no dia primeiro de abril de 2008, com a prisão de nove pessoas, entre elas três policiais civis e cinco militares. Os presos eram acusados de integrar um grupo de extermínio que seria responsável por 10 homicídios em Natal. Jadson desapareceu na BR-101, nas proximidades da passarela de Neópolis, na Zona Sul da cidade, depois de ter sido abordado por uma viatura da PM. Depois de 24 dias desaparecido, o corpo do corretor foi encontrado enterrado em uma duna na Rua da Torre, no bairro Planalto.

Assassinato na Cidade da Esperança

A investigação da Polícia Civil sobre o assassinato de Jean Marcel Lunardo da Silva, executado a tiros no dia 3 de maio deste ano, na Cidade da Esperança, Zona Oeste, culminou na prisão dos ex-PMs Ronaldo Erasmo Galdino de Lima, o ‘Ronaldo Bomba’, e de Roberto Moura do Nascimento, o Bebeto.

Segundo o inquérito policial, a vítima trafegava por volta da 1h da manhã em um veículo pela Avenida Rio Grande do Norte com a Rua Perimetral Leste, quando foi abordada por dois homens em uma motocicleta. O garupa deflagrou vários tiros no motorista. Jean Marcel, ainda agonizando, revelou os nomes dos algozes.

Os dois ex-PMs foram presos em suas residências, em Cidade da Esperança, mesmo bairro onde ocorreu a execução. Na casa de Bebeto, a polícia encontrou algumas munições e uma arma, por isso, ele acabou autuado em flagrante delito por posse ilegal de armas, sendo solto no mês passado.

A morte dos chineses

Até hoje a polícia acredita que os comerciantes chineses Zhon Maozhen, de 36 anos, Jin Wanguai, de 39 anos, Lixiong Lin, 36 anos, e Zhang Haiyan, 38 anos, encontrados mortos na manhã do dia 7 de fevereiro deste ano, tenham sido vítimas do crime organizado.

O primeiro casal era proprietário da loja Gold Sol, já o segundo era dono da loja JMF Variedades. Ambos os estabelecimentos são situados na rua Manuel Miranda, próximo ao camelódromo do Alecrim, na Zona Leste de Natal. Os quatro estrangeiros viviam há cerca de 10 anos em Natal.



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